Esporões é uma pequena anexa da Freguesia de Moreira de Rei com cerca de meia centena de residentes. Mas nem sempre foi assim. De acordo com o acórdão da Câmara Municipal de Trancoso de 1859, que estabeleceu a divisão territorial do concelho em freguesias e povoações, havia nos Esporões ‘30 fogos e 128 almas’, sendo Moreira de Rei a maior freguesia de Trancoso com um total de 1.105 habitantes.[1]

As origens do povoado perdem-se no tempo, remontando provavelmente a uma época tardia da colonização romana. A falta de fontes epigráficas e arqueológicas não permite certezas absolutas nem quanto à fundação e evolução do povoado, nem quanto às origens do topónimo de Esporões. No entanto, no plano das hipóteses podemos considerar o seguinte. Sabe-se que as regiões montanhosas mais a norte da província da Lusitânia,[1] que se estendem pelas serranias da hoje chamada Beira Interior, foram romanizadas tardiamente entre os séculos III–V. A esta região chegaram os romanos, provavelmente em busca de minerais preciosos existentes, por exemplo, nas periferias do Massueime e cuja presença é manifesta nos castros do Rabaçal, nos mosaicos policromados da Coriscada,[2] Marialva (civitas Arvorum), Moreira de Rei e em vários outros locais onde deixaram vestígios que carecem de investigação.

Quanto à toponímia da povoação, e na ausência de outros dados e testemunhos, recorremos à etimologia simplificada para explicar o nome de Esporões. A ocupação romana materializa-se a maior parte das vezes pelo estabelecimento de Villae rurais ou seja de quintas de pequena dimensão. Ora, não é de estranhar que algum dominus ou soldado romano cansado da vida ou da guerra se aventurasse por estas paragens, atraído pela placidez do local abundante em arvoredo, ribeiros e lameiros e protegido das intempéries pelo fraguedo envolvente, e aqui estabelecesse a sua villa, termo latino que em português significa quinta, propriedade rural ou casa de campo, e que, a partir do seu próprio nome, chamou Villa Asperonis, como era costume entre os romanos.

Fonte: Amigos de Moreira de Rei (Carlos Sousa)

O topónimo de Esporões resultaria assim da evolução fonética simplificada de Villa Asperonis que podemos traduzir por Quinta de Asperão ou Quinta de Aspero em alusão ao seu fundador, um senhor chamado Aspero, antropónimo substantivado que também pode aparecer como Asper ou sob a forma sincopada de Aspro. Ora, essa Villa Asperonis situava-se com toda a probabilidade na actual Quinta de Baixo. Como toda a gente sabe e como ainda hoje se diz entre os seus habitantes, a povoação era constituída pela Quinta de Baixo e pela Quinta de Cima. Fosse qual fosse o motivo, mas certamente por boas razões, o certo é que a evolução de Villa Asperonis para o plural Esporões é fácil de compreender e, assim fixado e adaptado à nossa língua, o topónimo passou a designar conjuntamente a Quinta de Baixo e a Quinta  de Cima. Asper, apelido romano bastante comum, também significa áspero, pedregoso, duro, numa possível alusão às características geológicas da região ou a padrões urbanos de antigamente. Contudo, a rudeza da natureza nunca impediu a sobriedade, a combatividade e a gentileza das suas gentes. Acaso ou necessidade histórica, séculos mais tarde, Santa Isabel, a menina de Aragão coroada rainha em terras Portuguesas, atravessaria estas terras graníticas de Bragança a Trancoso onde a esperava El-rei dom Dinis com farta comitiva a 26 de junho  de 1282.[3] E rezam as crónicas que na vila «se fizeram grandes e custuozas cazas» e que a ‘fremusura´ dessa flor aragonesa teria deixado o seu perfume nas roseiras de Trancoso.

Sirva esta simples nota para nos ajudar a perceber um pouco da história e das tradições da nossa terra. Mas sobre este e outros assuntos, voltaremos sempre e quando necessário.

Abel Nascimento Pena

Professor da Faculdade de Letra | Universidade de Lisboa


[1] Lopes Correia, Notícias de Trancoso, Câmara Municipal de Trancoso, 1986, pp.163-168. Nos censos de Pina Manique de 1798, acrescenta o autor, o ainda concelho de Moreira de Rei era o mais populoso de todos de todos os concelhos e freguesias, mas em 1981 Moreira de Rei passa para 3º lugar (p.266-67).

[2] O termo ‘Lusitânia’ refere-se a uma realidade ‘geográfico-administrativa que data apenas do tempo de Augusto, em 27 a.C. quando se constituiu a prouincia deste nome, por divisão da Hispânia Ulterior’. (Paulo Alberto, Viriato, Inquérito, Lisboa, 1996, p. 9).

[3] VV,  «Coriscada, une grande villa romaine», Archéologia, 44 (2009), 52-60.

[4] Sobre Santa Isabel, leia-se com proveito e exemplo o notável estudo do nosso ilustre colega, Professor e conterrâneo, Aires A. Nascimento, Santa Isabel de Portugal- a menina de Aragão coroada Rainha em terras Portuguesas, Edições Colibri, CEC, 2019.



Bibliografia consultada:

  • Aires A. Nascimento, Santa Isabel de Portugal- a menina de Aragão coroada Rainha em terras Portuguesas, Edições Colibri, CEC, Lisboa, 2019.
  • Lopes Correia, Notícias de Trancoso, Câmara Municipal de Trancoso, 1986
  • Paulo F. Alberto, Viriato, Inquérito, Lisboa, 1996
  • VV,  «Coriscada, une grande villa romaine», Archéologia, 44 (2009)

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